Criança, Consumo, Futuro.

“Se tudo que o homem inventa/ Carro, computador, avião/ Ele ama hoje, amanhã não aguenta/ Não tem mesmo que dar atenção!” (Clique e escute a música)

A música do Jururu, que está no primeiro Livro e Cd do Lá Dentro da Mata, traz uma mensagem que é a essência da  origem do nosso pequeno robô: a distorção da nossa percepção do objeto aceitável ou satisfatório, conduzida por uma manobra de mercado chamada obsolescência programada.

O nome esquisito envolve um conceito simples: as coisas são produzidas e planejadas no mercado para se tornarem ultrapassadas ou obsoletas o mais rapidamente possível. O engenhoso mecanismo, que gerou uma robusta ampliação do consumo, não vem de agora: iniciou-se na década de 1920, na indústria de lâmpadas elétricas dos Estados Unidos. Esta primeira manobra tratou da obsolescência de funcionamento – uma alteração na estrutura dos filamentos que reduziu drasticamente a vida útil das lâmpadas incandescentes, gerando um aumento proporcional das suas vendas.

Personagem Lampadinha, ajudante do Professor Pardal.

a mesma década, a publicidade norte americana do American Way of Life, associando a felicidade diretamente ao consumo, abriu as portas para a obsolescência da satisfação ou da desejabilidade. Essa categoria trazia fortes aliadas estratégicas: a moda e a publicidade. Sobre essa indução da satisfação a publicidade nasceu, cresceu e se multiplicou. O ataque, com alvo psicológico bem definido, ganhou força e reconstruiu a sociedade ocidental sobre os pilares dos versos da música de Jururu que transcrevi lá no começo desse texto,  magistralmente interpretados pela voz de Adelmo Casé, que finaliza a estrofe com um riso irônico e uma conclusão lacônica: “É maluco!” (clique para ouvir). E, não por culpa nossa, mas pelo bombardeio de mensagens publicitárias, ficamos meio abilolados, mesmo. O celular que amamos hoje, parece não nos servir mais em aproximadamente 4(quatro!) meses. Esse é o tempo médio que o caso de “amor” com o aparelho costuma durar, segundo pesquisa do Jornal Britânico Telegraph.

Por falar em celulares, a eletrônica tem os produtos que mais conseguiram reunir modalidades de obsolescência programada. Além do funcionamento e da satisfação, também atribuiu à sua estratégia de venda a deficiência relativa de rendimento, gerando a obsolescência de função. Rapidamente o cérebro eletrônico hiper-rápido é ultrapassado por outros cada vez mais eficientes e relativamente (ou aparentemente) mais úteis. Para piorar, os softwares que se atualizam automaticamente se tornam cada vez mais pesados para a sua velha máquina, que começa a perder feio essa corrida de bugigangas. Partindo desse princípio, se você já leu a nossa história, entenderá melhor o porquê do nosso simpático robô ter sido abandonado em um ferro-velho.

O fato é que, analisado o mecanismo da obsolescência programada, precisamos estar atentos às suas armadilhas e aos impactos que desempenham sobre a nossa vida e na construção do nosso futuro, principalmente porque essa manobra cautelosamente planejada atinge profundamente as crianças.

Um dos seus evidentes efeitos é a representação do padrão de consumo na inserção social, sendo, cada vez mais, uma das mais significativas referências de pertencimento de grupo. E este padrão comportamental acaba, muitas vezes, sendo estimulado pelos pais, no intuito de proteção à autoestima dos filhos ou mesmo – o que me parece ainda mais grave – deles próprios. Sim, porque é bastante comum os pais projetarem o seu ideal de sucesso pessoal nos filhos.

Entretanto, esse é um erro que produziu e continua a produzir enormes danos nas gerações que têm vivenciado o hiper-consumo. Dentre muitos, prefiro começar pelo prejuízo socioemocional. “Aprender a ser” é parte essencial do desenvolvimento da criança. A consciência de quem ela representa, das suas responsabilidades, da sua relação com o mundo e com as pessoas que a cercam pode ser muito comprometida pelo consumismo. A ideia de que um carro, um aparelho celular ou um brinquedo a define melhor do que suas atitudes, pode lhe render um futuro complicado de inseguranças emocionais sobre as dificuldades que poderá encontrar na vida. Ainda me arrisco a dizer que, sobre esse ideal, o caráter humano deverá sofrer distorções prejudiciais à sua qualidade (me permitam a presunção).

Além da formação da pessoa, os efeitos da obsolescência programada podem atingir o ambiente ou o planeta em que ela vive. O consumo desenfreado tem causado enormes prejuízos ecológicos, tanto no processo de produção, com gasto de energia e matéria-prima, geração de poluentes e outros impactos, quanto pelo descarte, que tem criado uma superprodução residual, muitas vezes com materiais de grandes riscos ecológicos e à saúde humana (como chumbo, mercúrio, berílio, cádmio, entre outros presentes em artefatos eletrônicos).

Ao trazer o personagem Jururu ao imaginário da criança, o Lá Dentro da Mata ajuda a plantar a semente dessa consciência, mas nós, pais ou educadores, sabemos quanto é árdua esta batalha e precisamos cuidar disso no dia a dia, dialogando, tendo posições firmes nas decisões de “comprar ou não comprar” e procurando caminhos para mostrar que o tempo das coisas pode resistir às suas próprias idiossincrasias.

Lixo eletrônico, um grave problema ao meio ambiente

Dicas legais que abordam o tema:

São tantas as dicas que poderia dar sobre esse tema… mas aqui vão algumas diretamente ou indiretamente relacionadas que separei com muito cuidado:

1 – Sobre a obsolescência programada, o documentário espanhol  “Comprar, Tirar, Comprar”, da diretora Susana Rodríguez (Clique e conheça).

2 – Sobre a importância da reconstrução dos nossos valores e formação socioemocional da criança, o filme “O Começo da Vida”, dirigido por Estela Renner (Clique e conheça).

3 – Um texto sobre criança e consumo em um blog que vale ser visitado, um projeto da Alana (Clique e conheça).

4 – Saiba o que é e o que fazer com o Lixo Eletrônico nesse artigo do Techmundo (Clique para ler).

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